A partir desta sexta-feira, 14, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) publica uma série de matérias sobre a temática LGBTQIAPN+, sigla que abrange pessoas Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, Não-binárias e mais. A primeira matéria aborda a pesquisa do professor Jean Baptista, do Departamento de Museologia da UFS, que estuda a genealogia dos corpos dos homens indígenas, das mulheres indígenas e dos povos indígenas abjetos, trazendo como título em português 'Corpos indígenas, gênero e sexualidade nas missões jesuíticas da América do Sul (séculos XVII-XVIII)'.
Em seus estudos, o historiador conclui que o atual cenário de violência de gênero e sexual na América do Sul tem origem no processo colonial, e não nas culturas indígenas. “De modo geral, a sociedade tende a imaginar que a LGBTfobia é um fenômeno recente na história do Brasil, mas nossos estudos demonstram justamente o contrário, que nossa cultura foi forjada em torno desta aversão desde a sua fundação”, ressalta Jean.
Ele afirma que somente em 2019 a LGBTfobia foi criminalizada no Brasil. “Dito de outro modo, a aversão à diversidade sexual dos padrões de gênero e sexualidade ocidentais faz parte da fundação de nossa nação”, é o que aponta a pesquisa que acaba de ser publicada pela revista inglesa Nature.
Diversidade sexual
No artigo, que traz o título Indigenous bodies, gender, and sexuality in the Jesuit Missions of South America (17th–18th centuries), e foi escrito pelo professor, em parceria com o gerente de Conteúdo do Museu da Diversidade Sexual, em São Paulo, Tony Boita, são demonstradas as estratégias coloniais utilizadas para exportar da Europa para o Brasil a aversão à diversidade sexual.
“Os povos indígenas não tinham conhecimento deste tipo de discriminação, menos ainda a ideia de que pessoas deveriam ser punidas moral ou fisicamente por seu gênero, performance ou práticas sexuais”, explica o professor. Para ele, com a chegada dos religiosos e a implantação de missões, ocorreu o nascimento de um sistema em que cada sujeito seria considerado punível ou não em virtude dos usos de seus corpos. “A implantação da fobia à diversidade sexual entre os indígenas em contato direto com os missionários e demais colonizadores foi um processo incrivelmente rápido, coisa de duas gerações”, comenta.
Ainda de acordo com o pesquisador, a adesão das lideranças indígenas às categorias de gênero e sexualidade do Ocidente não era apenas uma saída ideológica ou uma concordância direta com seus conteúdos. “Era muito mais uma estratégia de sobrevivência dentre a estreita margem de manobra que possuíam, ou seja, para ingressarem no mundo colonial com uma segurança possível, as lideranças indígenas logo perceberam a necessidade de aderir às categorias de gênero e sexualidade ocidental”, detalha Jean Baptista.
Violência
O pesquisador ressalta que o que se verifica é que pouco mais de trinta anos desde o início da evangelização por parte dos jesuítas, as sociedades indígenas deixaram de ter mulheres em sua liderança. “Elas passam a ser vítimas de agressões físicas perpetradas pelos homens. Além disso, neste mesmo tempo, corpos considerados desviados dos padrões de gênero e sexualidade ocidentais passam a ser punidos por meio de diversas estratégias, como prisões, humilhações e espancamentos, inclusive em praça pública, dentre outras formas de violência”, contextualiza.
“Somos uma nação que nasceu marcada pela ideia de que as pessoas sexualmente dissidentes da moralidade católica deveriam ser punidas de modo mais humilhantes possível e, desde então, nosso país tem feito jus à tal educação, uma vez que se tornou um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+”, complementa Baptista.
Confira a publicação original da Revista Nature
Ascom UFS, com informações da Revista Nature
https://www.ufs.br/conteudo/74416-pesquisa-da-ufs-investiga-genealogia-dos-corpos-indigenas